Seja bem vindo!

A mais de 30 anos em prol do axé!

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Quizila (ewó) - Xapanã/Sapaktá (Obaluayê/Omulú) e Xangô (Sogbô)



    Sempre alerto em minhas previsões ou redes sociais sobre os cuidados que os filhos de Xangô devem ter em anos regidos por Xapanã/Sapaktá (Obaluayê/Omulú), pricipalmente em anos bissextos. Vou explanar, dentro da minha tradição e aprendizagem, sobre esta quizila (èèwò) e suas lendas (itãns) entre estas duas divindades.

    Primeiramente, vamos entender que quizila (èèwò), ewó no português, é tudo aquilo que provoca uma reação contrária ao axé (força vital) de um respectivo Orixá. Estas energias negativas podem estar contidas em alimentos, cores, situações vividas entres os Orixás (em sua passagem terrena, mitologias), animais e até mesmo na própria natureza.

    Esta ewó (quizila) é visto nos itãns ligados ao Vodun Sapaktá (Xapanã/Obaluayê, Yourubá). Onde, na concepção dos povos Jejê-Fom, os supremos Mawu (feminino) e Lissá (masculino) tinham como filhos, dentre outros, os Voduns Sapaktá e Sogbô (Xangô, Yourubá). Porém entre os irmãos haviam muitas disputas, não existindo uma boa convivência entre eles. Contudo, para que não houvesse mais discussão entre os irmãos, Sapaktá decide ir morar com seu povo na cidade que havia ganhado de seus pais (Mawu-Lissá), a cidade de Savalu, onde cuidaria de seu povo e seria reverenciado. Sapaktá levou para sua terra todas as riquezas que ganhara de seus pais, se preocupou com tudo, mas esqueceu a água, deixando-a no meio das riquezas de seu irmão Sogbô. Com o tempo a água da chuva não caía mais um pingo, e logo os moradores de Savalu foram até o palácio de Sapaktá se queixar. Onde o mesmo lhes disse para que não se preocupassem, que a chuva estaria prestes a chegar. Só que as palavras de Sapaktá não foram cumpridas, e 3 anos haviam se passado sem chuva. Nesse mesmo período dois Bokonons muito conhecidos em todas cidades por serem grande adivinhos e grandes consultores de Fá (Ifá, Yourubás) haviam acabado de chegar a Savalú (Bokonon é a denominação Fom para Babalaô (Yourubás), neste caso, sacerdote iniciado para o culto do Vodun Fá). Esses homens pediram para falar com o rei da cidade, onde os seus súditos então os levaram até o palácio. Ao chegarem, os dois Bokonons (Babalaôs) logo se apresentaram ao Rei Sapaktá, que logo percebeu que eles falavam uma língua diferente, mas que ele reconhecia, era a língua falada no orun (céu). Então logo o rei questionou o que estaria acontecendo em seus domínios, já que não chovia a muitos anos. Os Bokonons responderam que não sabiam, mas que se Sakpatá quisesse saber, eles poderiam consultar Fá (Ifá). Sapaktá então autorizou e ao consultarem Fá (Ifá), descobriram que tudo que estava acontecendo era por causa de dois irmão que desejavam possuir as mesmas coisas, e que Sapaktá deveria fazer uma oferenda (presente/agrado) para acalmar seu irmão. O rei na mesma hora mandou providenciar tudo que Fá havia lhe pedido através dos cauris (búzios, Yourubá). Feito a oferenda, mandaram um pássaro entregar aos altos do céu, onde morava seu irmão Sogbô. Que ao avistar o pássaro lançou um raio em direção ao mesmo, que se esquivou, e fez com que Sogbô reparasse em suas habilidades. Identificando o pássaro que Sapaktá criara desde de filhote, deixando assim, o mesmo se aproximar. Rapidamente o pássaro deixou a oferenda e foi embora com recado que Sogbô havia aceitado a oferenda. Pedindo perdão ao seu irmão por ter sido tão ambicioso, e que Sakpatá não foi tão esperto como pensava, pois esquecera do mais importante, a água. E neste mesmo dia a chuva fez que rios, mares e lagos transbordassem de tanta água em Savalú, e os dois irmãos fizeram as pazes. Onde deste itãn (lenda) se toma a concepção de respeito e "distanciamento" entre estes Orixás. 

    Outra lenda (itãn), conta que Xangô, um rei muito vaidoso e extravagante, deu uma grande festa em seu palácio, convidando todos os Orixás, com exceção de Xapanã/Obaluaye. Pois as suas características místicas ligadas as pestes assustavam o rei do trovão, que não queria doenças em seu reino. Neste mesmo contexto, outro itãn refere-se ao motivo de Xapanã/Obaluaye ter sido zombado por Xangô durante uma festa em seu palácio. Devido seu corpo coberto de chagas, escondido entre as palhas, e de sua maneira de dançar. Despertando assim, a íra de Xapanã contra Xangô.

    Algumas tradições partem do princípio que Xangô, Rei de Oyó, com seu título de Obakoso (Rei de Koso). Dono dos raios, trovões, da força e poder do fogo, juntamente da justiça e o equilíbrio. Xapanã/Obaluayê, Rei de Empe, guerreiro e caçador, ao nascer é abandonado doente, acolhido por outra mãe. Onde fez de seu sofrimento e chagas sua vitória, galgando seu reinado, sendo temido e intitulado como "Rei da Terra", o "Rei dos Jêjê-Fom". Orixás de polos extremos, céu (orun) e terra (ayê), que com suas respectivas individualidades, matem o equilíbrio no mundo (ayê e orun).  

    Ambos exercem poderes sobre os mortos, Xapanã/Obaluaye no ayê (terra) carreia e comanda os processos de desencarnes, para que seja feito o julgamento de seus atos por Xangô no orun (céu), antes da possível entrada para um dos noves espaços criados por Olodumare. 

    Se são verdades ou mitos, nunca saberemos ao certo, mas este ewó (quizila) é tão temido e respeitado por muitas tradições brasileiras, que um dos grandes ritos do Candomblé, feito para Xapanã/Obaluayê em Agosto, chamado de Olubajé (O Banquete ao Rei), é proibida a manifestação de Xangô. Assim como nas festividades para Xangô, Xapanã/Obaluayê também não se manifesta no terreiro.

    Lembrando que nas religiões afro-brasileiras, em suas estruturações, infinitos povos compartilharam de suas mitologias e aglutinaram muitas de suas divindades aos Yourubás (Orixás), que prevaleceram em maior número. Vemos isso claramente na prática com nossas divindades Yourubás, os Orixás. Que trazem muitas práticas, falas e identidades de seus povos coirmãos, como os Jejê/Fom (Voduns) e os Bantos (Nkises). Seguindo sempre a linha de raciocínio que, em território africano a ideia de Batuque, Candomblé e etc, assim como estruturada no território brasileiro, não sustenta o modelo organizativo como os povos africanos esmiuçaram suas relações metafísicas. Foram diversos conflitos entre os inúmeros povos africanos, e suas diversidades entre povos similares, entre eles mesmos, antes ainda do período escravista, assim como, durante. Nem mesmo os povos Yourubás, denominados assim pelos europeus, na era da Costa dos Escravos, faziam parte de uma nação coesa. Eram compostos de diversas tribos, com suas etnias, línguas, crenças e costumes, em muitos territórios, aldeias e cidades.

    Fatores que só fortalecem a ideia de que "certo e puro" ou "errado" ficam cada vez mais distantes. Parto sempre do princípio de seguir sua tradição, visando os costumes e axé que seus Orixás se habituaram e escolheram. E por fim, não menos importante, sentir e vivenciar estas energias, tirando suas próprias conclusões. Aqui no Ylê de Oxum, acredito neste ewó e o respeito muito. 
    
    Um bom axé a todos!

Pai Daniel de Oxum




*Imagem meramente ilustrativa, retirada da internet (Google).

Nenhum comentário:

Postar um comentário