Hoje vou adentrar em um assunto um pouco polêmico!
Quantos religiosos já não se perguntaram se seu "Orixá de Cabeça" (como é dito no popular) está correto? Alguns mais curiosos, já devem ter se perguntado, afinal é Orixá de Orí ou de Eledá? Existe diferença ou se trata do mesmo significado?
Ou ainda, quem nunca ouviu a famosa expressão: "Os Orixás (x, y, z) estão brigando por "minha cabeça", na consulta de búzios (Ifá)". Certamente você já deve ter ouvido isso no meio religioso, através de algum conhecido ou até mesmo da boca de um Babá/Yá. Principalmente quando se vai jogar e confirmar o seu "Orixá de Cabeça". Seria isso um mito ou uma realidade?
São muitas as dúvidas que cercam este assunto. E as complicações para quem cultua um Orixá "trocado", causam estragos irreversíveis. Por isso tamanha a importância de tocarmos no assunto.
Tentarei resumir e abordar da forma menos complexa. Mas para entender, primeiramente você precisa conhecer o básico sobre o conjunto dos princípios das religiões de matriz africana e suas mitologias. Vamos lá!
No princípio teológico africano, nós seres humanos fomos pensados a partir da imagem e semelhança das divindades, como uma centelha, sendo nossos sentimentos e reações contextos divinos dos Orixás. Ao inverso do princípio cristão (branco/ocidental), onde Deus está acima da humanidade e qualquer divindade, não pertencendo a Deus sentimentos e reações humanas.
Em uma das vertentes da mitologia africana, nossos corpos foram moldados através da lama, por Obatalá, o Orixá mais velho criado por Olodumare, nosso Deus supremo. Para dar "vida" a este "corpo", Olodumare utilizou de três elementos primordiais: "Orí", "Èmí" e "Eledá". O Orí (cabeça) é sua parte do corpo mais sagrada, por onde se consagra o nascimento através do parto, é o que liga você ao mundo espiritual, carrega seu destino, que você escolhe antes de nascer. O Emí, sopro divino da vida, onde o próprio Olodumare soprou dentro do corpo, é o seu “eu interior” (alma/espírito). E o Eledá (Criador/Protetor), que é seu Orixá, sua semente ancestre, de onde provém seu caminho e arquétipos, junto de Orí. Formando assim o "Ará-Ayê" (corpo terreno), do ser humano. Quando o corpo falece, o Emí volta ao Orun (céu), para junto de Olodumare, em um de seus espaços (abordarei em outro momento sobre estes espaços), onde nesta condição passa a se chamar "Ará-Orun" (corpo do céu). Lembro que outros elementos formam o "Ará-Ayê" por completo, estamos apenas resumindo os primordiais (adentrarei em outro momento).
Entende-se então, que Orí é um dos elementos que formam nosso corpo físico, a cabeça. Sendo Eledá (Criador/Protetor) o nome dado a "semente plantada" em seu Orí, do Orixá definido para te acompanhar do nascimento até os fins dos dias em sua encarnação.
Pode parecer um pouco complexo, mas se parar bem para analisar, esse fato se torna ainda mais claro na prática, e assiste um ritual de Borí/Oborí em algumas tradições do Batuque. Onde o alimento oferecido a Orí (Oborí/Borí) é montado e feito sobre a cabeça no iniciado, a parte da vasilha do seu Orixá. Tendo inclusive cantigas específicas para essa ritualística. Onde Orí inclusive tem sua quartinha independente da quartinha de Orixá. A importância de Orí nestas tradições é tão forte, que é resguardado e tratado tanto quanto um assentamento de Orixá, zelado em um "Igbá Orí", ou no Batuque, popularmente chamado de "mantegueira", independente do assentamento de seu Orixá de Eledá (Igbá Orixá), como uma divindade. Em outras tradições do Batuque o entendimento de Oborí/Orí já se torna mais vinculado ao "Orixá de Cabeça" (Eledá), tratando Orí e Eledá como um único elemento, alimentados na mesma vasilha. No Candomblé isso já é habitual dentro da tradição, tratar Orí separado de Orixá. Em outro momento detalharei mais sobre Borí/Oborí.
Concluindo então que seu Eledá (Orixá) vem de "ventre", antes da encarnação, não existindo portanto, nenhuma espécie de "briga por cabeça" após seu nascimento.
No dia a dia do batuqueiro (Batuque RS) se tem um entendimento distorcido. E existem raras situações bem em específico que fomentam essa opinião sobre "briga por cabeça". Entenda!
Existem casos de pessoas que foram "seguras" ou "entregues" a outro Orixá, sendo por situações de saúde ou problemas mediúnicos. Isso ocorre em 99% dos casos em crianças menores de 7 anos. Muitas vezes são crianças que seus pais fizeram alguma "segurança/trabalho" junto do terreiro e acabaram não dando segmento na religião. Anos depois, a criança agora já adulta, sente-se atraída ou tem a necessidade de buscar apoio espiritual. Muitos adultos se quer lembram que passaram por uma casa religiosa junto de seus pais, ou eram muito pequenos. É neste momento onde a suposta "guerra por cabeça" aparece, é exemplificada no caso. Pois no jogo de búzios estará seu "Orixá de ventre" (Eledá) respondendo juntamente com o Orixá que cuidou e zelou daquela criança. E se o Babá/Yá não tiver um bom conhecimento acrescido de uma boa leitura de Ifá (búzios), ocasionará em um ensinamento totalmente distorcido da realidade. E acaba definindo este ocorrido como uma "briga por cabeça", o que sabemos que não se aplica, pelo menos não da forma como muitos justificam. E acabam por iniciar o filho de santo em um Orixá que não é o seu Eledá, trazendo graves consequências em seu caminho. Bem como, existem casos muito mais raros onde a pessoa é o que chamamos de "Orí Meji", onde dois Orixás habitam o mesmo Eledá de um único Orí (caminho), que abordarei mais profundamente em outro momento. Alguma nações do Batuque contemplam a tradição do Orí Meji, outras desconhecem, irá variar da bacia ancestre de cada casa. Já na tradição do Candomblé, o Orí Meji é mais corriqueiro entre seus adeptos, ou seja, não é uma "invenção ou evolução", e sim uma tradição africana, porém menos cultuada no Batuque RS.
Nestes casos em específico onde dois Orixás aparecem devem ser tomadas algumas medidas, executando os devidos preceitos religiosos, determinados por Orunmilá (ifá), onde não irei explanar através da página. A ideia aqui é esclarecer e desmistificar questões e dúvidas do cotidiano da cultura africana junto dos adeptos do Batuque RS, dentro de meus ensinamentos e estudos, e não citar fundamentos.
Costumo dizer que o entendimento de fundamento vai da concepção da tradição adquirida pelo Babá/Yá de casa para casa, assim sendo, existirão outras práticas dentro de um mesmo culto, legitimando os mesmos resultados finais.
Hoje em dia, muitos religiosos vem sofrendo por erros básicos que estão sendo cometidos por Babás e Yás despreparados, desinformados. Muito zeladores se omitem diante de questões como estas, em suas casas, negando o direito de seus filhos de santo aprenderem. Obviamente por não dominarem o assunto, ou pior, usando a justificativa que o filho não está preparado, alegando ser um segredo. Enquanto na realidade, este grupo, está apenas voltado ao cunho financeiro, enterrando o bem mais precioso de nossa tradição, o conhecimento ancestre.
Espero ter colaborado para entendimento de muitos. A partir desta postagem, irei explanar mais sobre estes tópicos, auxiliando os religiosos a entenderem mais a essência de nossa linda religião. Africanizem-se!
Pai Daniel de Oxum
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